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É grande o número de mulheres dando-se conta do pouco que conhecem sobre seu território mais íntimo que é seu corpo. Sentem-se lesadas no direito a informações e infantilizadas em relações paternalistas com profissionais de saúde, nas quais não conseguem participar da tomada de decisões. Aqui está uma pequena lista de questões que você precisa entender para ter mais autonomia sobre seu corpo e sua vida.

  • Quando for a uma consulta ginecológica, procure levar uma lista de questões/dúvidas para otimizar a consulta. Você é quem deve pautá-la. Se não tiver dúvidas respondidas, sentir que foi infantilizada, ou que não teve sua sexualidade respeitada pense sobre fazer queixa ao plano de saúde, à ouvidoria do SUS, aos grupos de mulheres da sua cidade.
  • Exames ‘de rotina’, ‘check-ups’ e afins devem ser solicitados após explicitadas suas necessidades e seus riscos. Diferente do que fomos ensinadas, prevenir nem sempre é melhor do que remediar. Realizar ultrassons transvaginais, de mama, de tireóide, colcoscopias…sem que haja necessidade clínica, pode gerar danos já previamente discutidos aqui.
  • O exame físico é importante e deve ser realizado em local adequado, se for em instituição de ensino você deve ser informada e questionada sobre a presença de mais pessoas na sala. Entende-se que profissionais de saúde devam receber treinamento mas não às custas de sentir-se usada como material didático.
  • O exame ginecológico não precisa ser realizado com estribos ou perneiras.
  • O corpo é seu e você tem direito à oportunidade de aprimorar seu conhecimento de si. Havendo ou não alterações, você tem deveria poder ter acesso a seu colo do útero, parede da vagina e secreções. Peça um espelho ou leve o seu para não perder a oportunidade de observar-se.
  • Pomadas para tratar corrimentos que reúnem antibiótico e antifúngico demonstram que a causa do mesmo não foi diagnosticada.  Além disso podem alterar sua flora vaginal. Em situações de desequilíbrio, fungos ou bactérias que são parte da microbiota vaginal, podem proliferar-se. Observe em que período do ciclo menstrual essas alterações aparecem. Perceba a relação com sua alimentação, com relações sexuais, com seu ritmo intestinal. Em geral consumo excessivo de açúcares e carboidratos simples, constipação, suspensão da menstruação (por uso de pílula combinada sem pausa ou DIU Mirena) aumentam a acidez vaginal e também a Candidíase, que se apresenta como uma secreção grumosa tipo leite coalhado, coceira e vermelhidão em geral antes da menstruação. Já as vaginoses bacterianas costumam vir depois da menstruação e ser mais comuns em mulheres com fluxo menstrual aumentado, como usuárias de DIU de cobre. Tem odor forte que piora após menstruação e a secreção é mais leitosa e acinzentada. Há também secreções que são fisiológicas e nos ajudam a perceber nosso ciclo, estas podem variar de um aspecto mais leitoso, clara de ovo a mais grumosa. Ela pode ser bem abundante e perceptível no papel higiênico e na calcinha.  No mais, para a vagina (e sua dona) serem felizes e saudáveis é preciso alimentar-se bem, usar roupas íntimas leves que permitam respirar, dormir sem calcinha sempre que possível, usar como lubrificante óleos 100% vegetais como girassol, gergelim, coco, semente de uva (mas nesse caso usar sempre camisinha sem látex) , tomar sol na vulva. Evitar depilações quando elas causam irritação, preferir somente aparar os pelos. Algumas gotas de óleo essencial de Melaleuca (5 a 10 gotas) diluídas em água para lavar a vulva e internamente a vagina (com ajuda de uma seringa), por 5 a 7 dias funciona como excelente antisséptico e tratamento de candidíase. No caso de vaginose pode-se tentar somar a essa diluição uma colher de chá de vinagre de maçã e usar da mesma forma.  Iogurte natural vaginal (1colher de sopa por 3-5 dias) ou preparado de kefir de água  pode ajudar a recompor a flora vaginal. Aliás, a manutenção de boa microbiota intestinal através de consumo de fermentados é essencial para manutenção da saúde. Agora, se você percebe que a secreção não melhora com medidas em casa, tem desconforto nas relações sexuais, percebe que a secreção sai da uretra ou o odor torna-se forte, é importante procurar um profissional na unidade básica de saúde.
  • “Ferida no colo do útero”? – o colo do útero passa por um processo fisiológico de eversão da sua camada mais interna para fora do orifício, que pode ser enxergada quando é feito exame ginecológico como uma área mais avermelhada.  Trata-se de achado comum frequentemente diagnosticado como “ferida”, para o qual orienta-se ‘cauterização’. No entanto só  deveria ser tratada quando há queixa de sangramento  durante a relação sexual com penetração. O que raramente comenta-se é que pode ser agravado por anticoncepcional oral. Na próxima visita ao/à profissional de saúde se você teve diagnóstico de ‘ferida’ peça para ver com espelho e acompanhe sua modificação durante o ciclo menstrual e conforme você usa ou deixa de usar contracepção hormonal. Há fitoterápicos como o barbatimão que podem melhorar sua ocorrência. Outras alterações como verrugas causadas por HPV também podem acometer o colo do útero e interior da vagina e demandar uma cauterização.  Mas peça para que o profissional esclareça sobre a origem e causa do que está sendo diagnosticado.
  • Irregularidade Menstrual – muitas mulheres nos procuram desejando parar seu anticoncepcional oral inicialmente prescrito para tratar seus “ovários policísticos” e mantidos porque pouco discute-se alternativas à contracepção hormonal. A maioria das mulheres são diagnosticadas ainda na puberdade, quando nem mesmo houve tempo para a maturação das conexões neuro-hormonais que controlam o ciclo menstrual. Encontrar cistos no ovário em ultrassons de rotina (que na maioria das vezes nem deveria ter sido realizado) também não diagnostica SOP (Síndrome do Ovário Policístico). Esse diagnóstico deveria estar reservado para mulheres que passam meses sem menstruar, ou seja, que tem ciclos sem ovulação e além disso tem imagem de ultrassom compatível ou sinais físicos de excesso de hormônios masculinos (como excesso de pelos e peso e acne). O tratamento dessa disfunção metabólica envolve uma abordagem sistêmica como reeducação alimentar, atividades físicas (como o yoga) e fitoterápicos (como o vitex agnus castus). Usar somente anticoncepcional é jogar o problema para debaixo do tapete. Você pode até ter a impressão de estar tudo bem porque está menstruando, mas a longo prazo o anticoncepcional oral pode piorar a resistência à insulina, causa básica da síndrome. Para saber se seu ciclo é realmente irregular, queixa muito comumente transformada em diagnóstico de SOP, você precisa compreender seu ciclo. Acompanhá-lo com gráficos impressos ou com aplicativos (como Kindara, Ovuview, Clue). Se couber na sua rotina, faça também um acompanhamento do muco cervical e temperatura com o método sintotérmico. É possível ter uma boa noção sobre a ação dos hormônios estrogênio e progesterona durante o seu ciclo com esse controle diário.
  • Cólicas menstruais podem ser um reflexo de sua vida corrida, atarefada e com pouco tempo para cuidar de si. Podem estar agravadas nas mulheres com tendência a constipação. Pode aparecer como um pedido de ajuda em mulheres que encontram-se em relações violentas, que sofrem assédio no trabalho ou em casa. Apesar da complexidade de suas causas, tem sido muito rapidamente transformada em suspeita de endometriose. Doença de origem ainda bastante controversa (inclusive com suspeita de implicação de fatores ambientais como a dioxina) na qual as células de dentro do útero acabam indo parar em diversos lugares da pelve. É compreensível que seja uma preocupação médica porque a endometriose pode agravar-se gerando comprometimento de órgãos internos. Mas também é preciso entender que a forma(ta)ção médica voltada para um olhar estreito sobre as mulheres e um entendimento sobre seus corpos como essencialmente patológicos, pode precipitar uma suspeita diagnóstica sem que outras causas sejam antes aventadas.  Então você mesma precisa  entender melhor sobre a natureza das suas dores. Inclusive para guiar o/a profissional que venha a auxiliá-la. Procure anotar no seu gráfico, aplicativo ou agenda em que período as cólicas pioram. É assim todos os meses ou quando você está de férias,de pernasgeeta para o ar ou apaixonada elas melhoram? Que recursos você costuma utilizar para seu alívio? Bolsa de água quente? Fitoterápicos como mil-folhas, alfavaca anisada, tanaceto? Analgésicos? Nada alivia e precisa recorrer a emergência para medicação endovenosa? Antes de pensar na suspensão de menstruação com uso de anticoncepcional contínuo talvez seja interessante observar como é o padrão de dor e o padrão da menstruação.  Focar em atividades físicas que favoreçam a movimentação da pelve (yoga, dança do ventre são ótimas opções), tentar o uso dos fitoterápicos acima, buscar a resolução de conflitos emocionais. Aí então, se depois de alguns meses de observação e cuidado de si não houver melhora, é interessante procurar uma unidade básica de saúde para avaliação.

Esse texto não é uma incitação à fuga dos consultórios médicos. Mas sim um convite para que as mulheres observem-se, busquem cuidar si mesmas e entendam seu papel político em demandar acesso e qualidade na atenção à sua saúde.

 

Halana Faria

Médica Ginecologista e Obstetra

Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde (São Paulo e Florianópolis)

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12 respostas a “Pequeno manual de insubordinação a consultas ginecológicas”

  • Conheci seu blog dias desses e, além de muito interessante o conteúdo, achei excelente por alguém aliar seu conhecimento científico a questões políticas, feministas, tratamentos da medicina não tradicional e, sobretudo, auxiliar as mulheres a questionarem.

    Uma pergunta. Sempre tive uma menstruação tranquila, mas lá nos meus 20 anos comecei a sentir TPM terrível, muita irritação. Passei alguns meses observando a continuidade da síndrome. Como a homeopatia não resolveu, procurei meu ginecologista e ele me tratou: 6 meses de uma cápsula fitoterápica e mais 6 meses de remédio manipulado, nunca mais tive nada. Esse médico cuida da TPM, ele a encara como uma espécie de “doença” (ele explica isso direito, eu estou simplificando na minha linguagem coloquial) para qual há “cura” e diz que não é para as mulheres conviverem com tamanho sofrimento, devem sim procurar ajuda. Por que não vejo a maioria dos ginecologistas orientando as pacientes em relação a TPM? Pelo menos, é o que me parece, as amigas ficam admiradas quando falo da minha vivência.

  • Olá Halana,
    Gostei imensamente desta publicação.
    Já tenho essa prática há um tempo…de ser critica e consciente em relação ao cuidado com meu corpo e intervenções. Os medicos que me assistem sabem disso e me apoiam até certo ponto, que é o meu ponto de extrema vulnerabilidade…quando surge o medo de algo mais grave acontecendo.
    Por isso mesmo gostei tanto dessa publicação…pq vi consistência.
    Moro no Rio e gostaria de saber se vc tem referência de pessoas que veem e agem asdim como vc.
    Grande abraço
    Ana Lúcia Leite

  • Olá Helena,
    Fiquei curiosa sobre a recomendação prata usar como lubrificante apenas óleos vegetais em oposição aos lubrificantes a base de água ou silicone, quais são os efeitos negativos do uso do lubrificante industrializado? Grata pelas publicações, é um trabalho lindo.

  • Olá!
    Conheci este blog a pouco tempo e tem me esclarecido muita coisa e me deixado mais curiosa sobre tantas outras. Nunca pensei na possibilidade de acompanhar meu ciclo menstrual, minha ovulação ou o formato do colo do meu útero. E é tão óbvio que chega a ser absurdo ninguém divulgar o quanto é importante conhecer nosso próprio corpo.
    Uma dúvida que me surgiu foi sobre os métodos sintotermais. Eu posso acompanhar con algum gráfico mesmo tomando pílula? Fiquei sem saber se é relevante acompanhar o ciclo se já ttemos a ação dos hormônios.

    Agradeço muito a iniciativa!
    Parabéns

  • Queria um texto assim pra homens trans. Infelizmente muita coisa aí não se aplica às nossas especificidades. E ginecologista simplesmente não sabe como lidar com corpos trans, a gente vive meio que à margem da humanidade até nesse ponto.

  • Ola Halana, gostaria de agradecer muito pelos aprendizados que recebemos aqui pelo blog. Eu também passei pela péssima (mas, infelizmente, comum) experiência de ter sido orientada a utilizar pílulas anticoncepcionais ainda qdo adolescente, por volta dos 15 anos, só para diminuir acnes e cólicas, sendo que nem vida sexual ativa eu tinha ainda. Tomei pílulas por uns 15 anos seguidos, por pura conveniência, e total falta de informação sobre os efeitos colaterais. Só muito recentemente, com mais de 30 anos, comecei a me aproximar dos debates sobre ginecologia natural e feminista. Por conta disso, parei o uso de anticoncepcionais há uns dois anos, e não tenho usado nenhum outro método contraceptivo, até porque eu e meu parceiro queremos engravidar. Mas só depois de um ano sem anticoncepcionais que meu ciclo começou a se regular, que comecei a perceber os sintomas da ovulação, do período fértil. Eu não pude acreditar o quanto eu não conhecia do meu corpo, o quanto eu fui privada disso, de sensações tão importantes como a libido, por exemplo. Ainda assim, como as tentativas de gravidezes nesses dois anos vinham sendo frustradas, e eu e meu parceiro fizemos exames e verificamos que não há nenhum problema com nós dois, eu aceitei a indicação do ginecologista que tenho sido atendida (do meu plano) de tomar um indutor de ovulação (o Serophene). Tomei por um mês e me arrependi MUITO! Tive muita dor de cabeça, muitas cólicas, mau-humor, aumento de ansiedade e sensibilidade, e acho que diminuição da libido (inclusive do muco). Não sei como isso poderia ajudar a engravidar. Acho que fui precipitada em aceitar essa indicação. Não pretendo tomar novamente (ele indicou por até no máximo três meses). Pesquisei e encontrei indicações de indutores naturais, como o chá de inhame. Vou experimentar, e seguir conhecendo melhor meu corpo, os dias férteis, o período de ovulação, sem medicamentos. E assim buscar uma gravidez sem pressa, no momento certo. Ler o artigo só me fez ter mais certeza disso. Obrigada! Um grande abraço, Talita

  • Oi Helena, fui diagnosticada com a tal ferida no útero, já li no grupo do Diu de cobre que não precisa ser tratada e não impede a inserção do diu, mas se não tratar, ela pode evoluir para algo mais grave?

  • Fiquei muito emocionada. Me fez rever minha história de saúde e sexualidade dos últimos 17 anos e descobri que não tenho problema crônico físico mas sim sociais e emocionais. 17 anos atrás, aos 17 anos, meu primeiro exame de papanicolau indicou HPV (gerando culpa, surras, castigos, “certeza” de câncer, morte, infertilidade e abstinência perpétua) e depois disso Nunca mais deu positivo. Fiz incontáveis consultas e exames invasivos e desnecessários (agora sei) dos quais eu saía constrangida e melancólica e continuava assim por um ou dois dias. Cheguei aqui pelo Manual de Ginecologia Natural e me sinto despertando em um renascimento. Você(s) são incríveis. Muito obrigada.

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